São serviços que se atrasam, intervenções que têm de ser proteladas, consultas que ficam por fazer, receitas que não são cobradas, utentes que se irritam e colaboradores que se exasperam. Gente insatisfeita, muitas vezes por causas evitáveis.
Ao todo, são vinte e quatro os hospitais e centros de saúde envolvidos; dezoito os Manuais da qualidade concluídos no primeiro prazo estipulado (dezembro de 2000); treze os Manuais já promulgados e assinados pelos respectivos Conselhos de Administração.
Em cada uma das três maiores ARS, dois a três hospitais preparam-se para as primeiras auditorias externas, que se iniciarão em breve. Os outros se seguirão. Pretende-se com estas auditorias avaliar a conformidade das práticas da organização com os procedimentos aprovados e também a sua coerência à luz do que são os requisitos elementares de um sistema formal da qualidade.
Como resultado, a conformidade das práticas da organização face a estes requisitos mínimos poderá ser comprovada e dada a conhecer se as instituições assim o entenderem.
Quem são os actores
Ao saberem que estava em curso a criação de um Manual da qualidade para admissão dos utentes, muitos gestores e profissionais de saúde pensaram tratar-se apenas de meras regras de funcionamento dirigidas aos funcionários administrativos. Fasti-diosas, burocráticas e desinteres-santes. Gestores, médicos, enfermeiros, "superiores", torceram o nariz: "Ah! isso é um projecto para os administrativos". E viraram costas.
Em muitos casos, esta primeira fase terá constituído, essencialmente, um processo de melhoria e regularização dos actos administrativos de admissão dos utentes. É, pois, natural, que tenham sido estes profissionais os primeiros a ser envolvidos. São eles quem, em quase todas as organizações de saúde, está na linha da frente do atendimento dos utentes e é importante que se reconheça que é também por eles que se iniciam ou se destroem os sistemas da qualidade. Do seu bom ou mau desempenho depende, em larga medida, a avaliação que os utentes fazem do serviço global que lhes é prestado.
Mas não foi assim
em todo o lado
Outros responsáveis e profissionais de saúde perceberam o alcance do que lhes era proposto. Perceberam, desde o início ou numa fase mais posterior, que o que agora se iniciou é tão somente o primeiro passo de todo um complexo sistema de qualidade que se quer estendido a todos os processos e serviços do hospital, estabelecendo e cumprindo requisitos de qualidade para todas as fases do circuito do doente num dado serviço de saúde.
Entenderam-no e envolveram-se. Médicos, enfermeiros, professores universitários, administradores, chefias administrativas, directores de serviço, técnicos informáticos e administrativos sentaram-se lado a lado; aprenderam uns com os outros e com os consultores que durante quatro meses os ajudaram. Sabem que levaram a bom termo a primeira etapa da sua missão. Nalguns casos mais acertadamente; noutros com alguns desvios que serão agora corrigidos. A grande maioria orgulha-se do que produziu. Com razão.
Naturalmente que alguns houve (poucos, esperamos) para quem tudo isto foi apenas uma estopada em que os meteram e, sem entusiasmo, estão satisfeitos por poderem voltar ao ramerraneiro dia-a-dia.
O que já foi criado
Nas diversas instituições que aderiram ao projecto Manual da Qualidade na Admissão e Encaminhamento de utentes, há hoje muitos funcionários administrativos que sabem mais e melhor o que é qualidade do que antes o sabiam. Fizeram as suas instru-ções de trabalho - guiados pelos gestores do Manual que criaram os procedimentos - e começaram a criar regras, lá onde nada existia antes. E fizeram mais: criaram indicadores de processo para que, algum tempo depois de criadas, implementadas e instituídas as novas regras, se possa medir e julgar com factos. E ainda fizeram mais: em quase todas estas instituições foram criados questionários de satisfação dos utentes, alguns cientificamente não validados, mas em que uma das questões recorrentes é: "se tiver necessidade de voltar a este serviço gostava de ser atendido pelo mesmo funcionário?" Perguntam-no porque querem fazer a diferença.
Médicos, enfermeiros, gestores e outros profissionais de saúde exprimiram mais do que uma vez o seu interesse pelas novas práticas que estão a aprender e a exercitar.
A validação dos resultados
É claro que a validade destes esforços só se poderá comprovar nos inúmeros "momentos de verdade" e através das evidências que se terão de monitorizar de forma sistemática e sustentada, quer pelos vários mecanismos de avaliação interna que foram criados, quer por auditoria externa.
É por isso que não há nenhum Ma-nual da Qualidade agora criado que não preveja um procedimento para registo, análise e tratamento de ocorrências e não-conformidades. É essa a mais poderosa "ferramenta" de qualidade com que ficaram dotados os gestores do Manual, as suas equipas, e as administrações que a souberem e quiserem utilizar. Fazer procedimentos é organizar, arrumar, limpar, cuidar dos detalhes, prever as falhas e resolvê-las antes que afectem os nossos utentes e os serviços.
É o projecto da roda dentada, como alguém já disse. A peça que ninguém vê, mas sem a qual nada funciona. Foi assim que nasceu este projecto e é assim que deve continuar.
Exemplos de actuação
Publicamos neste número da revista um exemplo de procedimento operativo de inscrição de doentes numa das grandes Urgências Gerais de Lisboa, a do Hospital de Curry Cabral.
O exemplo de instruções operativas que reproduzimos, diz de facto respeito ao atendimento e encaminhamento administrativo.
Claro está que, desgarrado do seu contexto, fica a reprodução muito empobrecida, mas o espaço disponível não nos permite ir além. Na próxima edição daremos destaque a exemplos de procedimentos que entram já muito mais em actividades médicas e de enfermagem.
Esta decisão de os publicar tem quatro objectivos:
1) permitir aos nossos leitores uma observação mais directa daquilo que são os projectos que justificam a missão e a própria existência do IQS;
2) suscitar nos nossos leitores e nos responsáveis da saúde críticas e sugestões (que esperamos nos façam chegar) numa fase o mais precoce possível, de modo a que seja possível corrigir desvios;
3) proporcionar pistas de trabalho a um leque de profissionais de saúde mais alargado, para que a cultura da qualidade seja um "bem" colectivo do qual todos possam beneficiar;
4) fazer "cair à rua" - vulgarizar no bom sentido - metodologias e conhecimentos, pagas pelo erário público, e que por isso não devem estar ao serviço de apenas uns quantos.




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