Sabemos, todavia, que a existência de um núcleo de qualidade numa qualquer instituição, por si só, não basta à mudança. Muitos outros factores contribuem, de forma decisiva, para que as boas intenções se transformem em actos visíveis, mensuráveis, com reflexos directos na qualidade dos serviços prestados. É o que acontece em Cascais. André Biscaia enumerou-os:
1) A Direcção e os profissionais têm um projecto para o CS de Cascais, ou seja, fixaram a sua missão e os seus objectivos numa lógica de melhoria contínua da qualidade: o projecto foi discutido e assumido por todos os colaboradores da organização (todos os profissionais tiveram pelo menos uma reunião individual com a Directora - por grupo profissional, por extensão, por área de actividade, para que todos interiorizem a missão do CS, os objectivos e as suas funções);
2) Existe liderança no funcionamento do CS, quer a nível das chefias de topo e intermédias quer a nível dos várias áreas de actividade. A participação dos utentes na vida do CS é assumida por todos como factor essencial ao sucesso da instituição;
3) A participação dos utentes na vida do CS é assumida por todos como factor essencial ao sucesso da instituição;
4) A integração plena do serviço na sociedade que serve, até como elemento da cultura social, é uma realidade, que a política de parcerias com entidades estatais e privadas da zona de Cascais, adoptada pela direcção, tem vindo a reforçar.
Uma das áreas menos pontuada nas avaliações cruzadas realizadas no âmbito do projecto MoniQuOr foi a relativa a receitas próprias (onde se incluem os financiamentos externos). Muito provavelmente porque para a esmagadora maioria das instituições de saúde públicas o orçamento só pode ter uma origem: o Orçamento do Estado, numa lógica que se poderia traduzir da seguinte forma: não está orçamentado... Não se faz.
Em Cascais, a equipa que dirige o centro de saúde do concelho não pensa assim. "Tem sido feito um esforço no sentido da obtenção de financiamentos externos para algumas das actividades" diz André Biscaia. Com sucesso: "nos últimos 3 anos, obtiveram-se financiamentos externos avultados para projectos na área da humanização dos serviços e qualidade" explica o coordenador do Núcleo da Qualidade para logo acrescentar: "também, se têm conseguido alguns financiamentos indirectos, através de acordos com o Fundo de Desemprego para colocação de pessoal adminstrativo e com o Serviço Militar para o cumprimento do serviço cívico dos objectores de consciência. Têm sido um contributo importantíssimo".
Outro aspecto que marca diferença no Centro de Saúde de Cascais, é o facto de se tratar de um centro de formação e de investigação, o que contribui necessariamente para uma melhoria das prestações.
Auto-avaliação:
ferramenta-chave
No CS de Cascais, a auto-avaliação é assumida por todos como uma ferramenta-chave de monitorização da Qualidade. "Tem-se tentado que a auto-avaliação faça parte do funcionamento habitual de todas as áreas de actividade, começando pela Direcção, que anualmente realiza a sua auto-avaliação utilizando o método SWOT" diz André Biscaia.
O Núcleo da Qualidade
O Núcleo da Qualidade do CS de Cascais tem desempenhado um papel fundamental na mudança. Constituído em 1998, é composto por 10 elementos, entre médicos, enfermeiros e administrativos.
O Núcleo teve a sua visão, missão e objectivos discutidos e assumidos pela Direcção e pelos profissionais do Centro.
O Núcleo tem como missão dinamizar todo o CS de Cascais para a melhoria contínua da Qualidade que conduza o Centro aos parâmetros que sucessivamente forem considerados os da excelência na prestação de cuidados de saúde e a sua manutenção.
No seu primeiro ano de actividade, ilustrando o seu objectivo estratégico para esse ano, o lema do Grupo foi: "Qualidade - um objectivo de todo o CS", procurando-se sensibilizar o maior número de profissionais e obter formação específica.
No 2º ano, o lema foi "Qualidade no mapa do Centro de Saúde de Cascais - O Centro de Saúde de Cascais no mapa da Qualidade"
O Núcleo IQHS (investigação, qualidade e humanização dos serviços)
O Núcleo IQHS agrupa três núcleos de trabalho distintos:
1 - Núcleo da Qualidade, com 5 áreas de actividade:
• verificação da conformidade do CS com os critérios MoniQuOr;
• satisfação do utente;
• satisfação profissional;
• círculos da qualidade;
• assessoria a outros projectos.
2 - Núcleo da Investigação.
3 - Núcleo da Humanização dos Cuidados.
Paralelamente, já foi criado um Gabinete de Imagem do CS de Cascais, uma área que os serviço de saúde públicos, na generalidade, não acautelam mas que é fundamental. Como alguém disse, a imagem de uma empresa, de um serviço é o próprio respirar da instituição e pode influenciar, nomeadamente a satisfação de utentes, administrações e profissionais.
Outro dos objectivos estratégicos do CS de Cascais é o da constituição de um Conselho da Qualidade, que abarcará a Direcção, o Núcleo IQHS, as chefias intermédias e de projecto, os utentes e os parceiros. Este Conselho reunirá uma ou duas vezes por ano, aprovará a política e estratégia da Qualidade para cada ano e emitirá parecer sobre os projectos a realizar.
O Projecto MoniQuOr
No Centro de Saúde de Cascais, a implementação do projecto Moni-QuOr, de avaliação da qualidade organizacional assume importância vital no processo de melhoria contínua que a instituição tem vindo a implementar, na priorização das áreas a trabalhar, no estabelecimento
de metas quantificadas, no envolvi-mento dos profissionais e no reconhecimento externo.
O processo de auto-avaliações do MoniQuOr seguiu uma metodologia complexa, explicada por André Biscaia: "primeiro, procedemos a avaliações por extensão, em que os avaliadores foram votados por todos os profissionais. De um modo geral, e de ano para ano, mantém-se apenas um dos elementos avaliadores. Uma vez chegados ao consenso, foi levada a cabo uma reunião de representantes das extensões, obtendo-se a pontuação do CS, também por consenso. Em seguida, criou-se um grupo com a missão de analisar os resultados e propor soluções. Estas, foram discutidas com a Direcção e apresentadas em Reunião Geral do CS, onde se discutiram e aprovaram a pontuação e as soluções propostas".
Refira-se que entre 1998 e 2000, registou-se uma evolução positiva de 96 % nas avaliações.
Participação dos utentes
Destinatários dos serviços prestados, os utentes do Centro de Saúde de Cascais assumem um papel fundamental na definição de objectivos e na avaliação da Qualidade. Na fixação de metodologias são privilegiadas aquelas em que a opinião dos utentes é tida em conta, numa base de participação efectiva na construção das soluções. O processo de melhoria da qualidade alicerça-se, pois, na opinião dos utentes do Centro de Saúde. Para alcançar este objectivo realizaram-se dois estudos:
• questionário auto-preenchido sob recomendação da Região de Saúde e utilizando um instrumento de medida, Europep, - validado para Portugal pelo Centro de Estudos e Investigação em Saúde;
• estudo utilizando focus-grupos, numa iniciativa do CS de Cascais com financiamento da Comissão Nacional de Humanização dos Serviços de Saúde.
Os Focus-grupos
Os Focus-grupos são entrevistas colectivas em que se tira partido da dinâmica de grupos. Existe um guião para a entrevista, um moderador e um co-moderador. A disposição dos participantes costuma ser em círculo. As entrevistas são video-gravadas.
Realizaram-se 6 focus-grupos: dois com chefias e profissionais para ter a sua opinião sobre o que os utentes aspiravam em relação ao CS; dois com utentes adultos; 1 com adolescentes e dois com pais de crianças com menos de dois anos.
Depois de realizados os focus-grupos, os depoimentos foram transcritos e analisados. Seguiu-se a elaboração de um relatório com conclusões e propostas de mudança. Os resultados foram apresentados em reunião geral do CS, em que estiveram presentes 140 profissionais, metade da força de trabalho da instituição.

Helena Miranda, directora do Centro de Saúde de Cascais

André Biscaia, coordenador do Núcleo de Qualidade
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O Centro de Saúde ideal
Um dos resultados obtidos foi o da descrição, pelos utentes, do centro de saúde ideal. Para os inquiridos, o centro ideal:
• funciona em edifício adequado, perto de casa;
• a informação sobre o CS chega directamente pelo correio;
• a marcação de consultas é feita pelo telefone;
• por regra, não há esperas. Quando as houver, devem estar disponíveis entretenimentos e "comes e bebes";
• consultas no domicílio sempre que necessário;
• a burocracia é reduzida a zero;
• Os profissionais são simpáticos, disponíveis, e estão satisfeitos;
• especialidades hospitalares, como os exames complementares e produtos farmacêuticos estão disponíveis no CS;
• Os médicos, enfermeiros e administrativos devem ser competentes, com bom relacionamento e dispostos a ouvir.
Centro de investigação
Como se referiu atrás, o CS de Cascais é, também, um centro de investigação, com vários projectos de investigação próprios:
• a opinião dos Utentes sobre o CS de Cascais utilizando a técnica de focus-grupo, de que já falámos;
• validação para a população portuguesa de um questionário para rastreio da fibromialgia;
• actividade física e bem-estar nas escolas da área do CS de Cascais;
• caracterização da morbilidade na consulta de Medicina Geral e Familiar. Tem, igualmente, projectos em parceria com outras instituições, dos quais se destacam:
• estudo sobre incidência da depressão e dos sintomas depres-sivos na população que recorre aos cuidados de saúde primá-rios, em colaboração com a Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação;
• projecto "Viver Jovem" para atendimento a adolescentes em parceria com Associação Nacional de Planeamento Familiar;
• projecto Galiza e Moinhos d'Al, para combate à exclusão e pobreza em bairros degradados, em parceria com a Câmara de Cascais;
• cuidados no domícilio a idosos e dependentes;
• programa de rastreio do cancro da mama.
Pontos negativos
Não obstante os bons resultados alcançados pelo centro de saúde há, no entanto, áreas que estão mal, mesmo em situação de pré-ruptura, que condicionam seriamente melhores prestações e são verdadeiras ameaças ao funcionamento da instituição. Destacámos algumas:
• deficientes instalações das extensões e do Centro de Diagnóstico Pulmonar, que "contaminam" o trabalho que aí se faz e que são um sério entrave a qualquer processo de melhoria;
• carência de profissionais em especial de pessoal administrativo, estando o CS em situação colapso neste campo, o que limita também os esforços dos outros grupos profissionais. De referir, ainda, que há muito profissionais com contratos a termos certo;
• ausência de nível suficiente de autonomia em certas áreas, nomeadamente a financeira e a de gestão de pessoal;
• dificuldades em influenciar as respostas dos outros níveis de cuidados de modo efectivo.
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